Proposta 5 Aprimorar a gestão de impactos e o licenciamento ambiental
A instalação de grandes obras de infraestrutura na Amazônia, quando feita sem levar em consideração seus possíveis efeitos ambientais e demográficos, resulta muito frequentemente numa piora nos indicadores socioeconômicos das regiões nas quais são implantadas, ao contrário do que fora prometido pelos responsáveis pelo empreendimento no momento de seu planejamento. São vários os casos em que, na esteira da obra, aumentaram os casos de disputa pela terra, resultando em invasões de terras públicas, incluindo terras indígenas e unidades de conservação; em altas taxas de desmatamento; no aumento da violência rural e mesmo urbana; sem contar os diversos impactos que levam a mudanças profundas no modo de vida das populações locais.
O sistema brasileiro de planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura carece, historicamente, de espaços institucionais que permitam avaliar todos os custos e benefícios decorrentes do projeto, incluindo os de natureza socioambiental, que muitas vezes são os mais importantes. Na ausência de outro instrumento mais adequado, o licenciamento ambiental continua sendo o principal, quando não o único, instrumento capaz de prever, mitigar e compensar os impactos ambientais e sociais das grandes obras de infraestrutura.
No entanto, por ter sido desenhado para avaliar projetos concretos, que já passaram por diversas fases preliminares de planejamento e avaliação de custo-efetividade, os processos de autorização ambiental apresentam diversas limitações, o que faz com que seja difícil internalizar os custos sociais, ambientais e econômicos dos empreendimentos.
Uma forma de aprimorar o sistema de planejamento de grandes obras, para que de fato incorpore a dimensão socioambiental de forma orgânica já em suas fases preliminares, seria a adoção, de forma sistemática, da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) em todos os planejamentos setoriais e em planos públicos de investimento. Isso permitiria uma avaliação econômica completa (incluindo os custos ambientais e os gastos com medidas sistêmicas de mitigação de impactos) evitando que projetos excessivamente onerosos pudessem chegar ao processo de licenciamento ambiental.
Contribuiria também para que fossem construídas, de forma sustentável e factível, as condições econômicas, políticas e institucionais para que determinados projetos possam ser implantados, algo impossível de ser feito a contento atualmente pelo órgão ambiental no contexto do licenciamento. Hoje, com a falta de instrumentos como AAE, o planejamento setorial e de obras de infraestrutura desconsidera, via de regra, riscos e impactos cumulativos, o que leva a subdimensionar os impactos socioambientais.
Se elaborada com transparência e participação, a AAE permitirá também um maior escrutínio público sobre as decisões governamentais estratégicas em infraestrutura, diminuindo o espaço para que sejam capturadas por grupos de interesse específicos. Embora a importância da implementação desse instrumento seja recorrentemente sustentada por especialistas, ele ainda não foi plenamente incorporado nas normas vigentes sobre planejamento e avaliação de impactos de obras de infraestrutura.
A adoção do AAE permitiria também uma maior integração do planejamento setorial com o territorial, como é o caso do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) em nível estadual, e dos Planos Diretores em nível municipal. Se esses planos tivessem realmente o condão de interferir no processo de decisão de grandes obras ou planos setoriais, haveria um estímulo para que fossem feitos com mais cuidado, mais debate com a sociedade e, portanto, fossem mais efetivos.
Para além de melhorias no planejamento, há formas de aprimorar o próprio sistema de licenciamento ambiental para que ele possa atingir de forma mais eficaz o fim a que se propõe, qual seja, evitar, mitigar e compensar impactos ambientais de projetos específicos.
Um dos avanços necessários é aumentar a transparência e a participação nos processos de licenciamento ambiental. Empreendimentos são aprimorados e ganham legitimidade social quando a população afetada (positiva e negativamente) participa dos processos de decisão sobre a sua implementação. A participação social confere eficiência ao licenciamento de obras de médio e grande impacto, já que as contribuições da sociedade ajudam a orientar o olhar do órgão licenciador sobre os fatores prioritários a serem analisados durante o licenciamento, além de aportar conhecimento útil para a avaliação dos estudos técnicos produzidos pelo empreendedor. A participação também contribui para a formulação de condicionantes capazes de gerenciar os riscos e evitar, mitigar e compensar os impactos do empreendimento.
Em grandes projetos de infraestrutura é muito comum que sejam impostas aos empreendedores um conjunto significativo de medidas de cunho social, econômico ou mesmo estruturante como condição para que a obra seja implantada. Tais medidas podem implicar no investimento de centenas de milhões de reais e podem incluir, por exemplo, a construção de moradias para populações reassentadas, implementação de sistemas de esgotamento sanitário, construção de equipamentos de saúde, segurança e educação, dentre outros.
Neste sentido, a implementação de mecanismos de accountability e transparência podem desempenhar papel fundamental para evitar a alocação dos recursos disponíveis em projetos de baixa qualidade técnica, alto custo, e baixo valor estratégico, além de prevenir atrasos e mesmo atos de corrupção em sua execução. Arranjos dessa natureza podem prever ainda a existência de ouvidorias para o recebimento de reclamações e denúncias vinculadas à execução das obras, das medidas de mitigação, de compensação ou outras questões correlatas, facilitando a apuração e a responsabilização de eventuais irregularidades.
A partir dessas questões, apresentamos as seguintes recomendações para o aprimoramento da gestão de impactos e do licenciamento ambiental:
Implementar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)
Implementação da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) em todos os planejamentos setoriais, programas e planos públicos de investimento em infraestrutura, garantindo que a dimensão ambiental seja considerada nas etapas prévias da decisão sobre obras específicas. Além disso, a AAE deve ser utilizada de forma integrada ao Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), qualificando a análise de impactos dos empreendimentos.
Aprimorar as normas do licenciamento ambiental
Aprimoramento da legislação relativa ao licenciamento ambiental, com o objetivo garantir, de forma adequada: (I) a previsão de realização da Avaliação Ambiental Estratégica; (II) a avaliação de todos os impactos dos projetos; (III) o estabelecimento de todas as condicionantes necessárias para tornar o projeto social, econômica e ambientalmente viável, por meio de procedimento que dê previsibilidade sobre os custos dessas condicionantes aos interessados em assumir as concessões dos projetos de infraestrutura.
Prestar contas sobre medidas de mitigação e compensação
Adoção de mecanismos periódicos de avaliação, monitoramento e prestação de contas sobre a implementação das medidas de mitigação e compensação, incluindo ações que envolvam consultas às populações afetadas e participação de órgãos de controle, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil.
Aumentar a transparência do licenciamento ambiental
Criação de portais de transparência que sistematizem e disponibilizem, em linguagem acessível, todas as informações sobre o processo de licenciamento e a execução das medidas de mitigação e compensação, incluindo cronograma, contratos, valores investidos, relatórios de prestação de contas, metas previstas e alcançadas. É necessário que essas informações também sejam disponibilizadas por meio de outros canais, adaptados às realidades socioeconômicas dos diferentes grupos afetados pelos empreendimentos.
Criar uma ouvidoria independente por obra
Criação de ouvidorias específicas para cada obra, de modo a viabilizar o recebimento de denúncias, reclamações e demandas para um combate efetivo a fraudes, casos de corrupção e violações de direitos. As ouvidorias devem ter canais de atendimento de fácil acesso e contar com ampla divulgação para a população. Além disso, devem possuir protocolos claros e transparentes de encaminhamento das manifestações e estar sob a supervisão de agentes independentes e protegidos de pressões externas.