Proposta 2 Regulamentar o lobby e o conflito de interesse

A linha tênue que separa o lobby lícito – e legítimo em um ambiente democrático – do lobby ilícito, que tende a ser associado a relações pouco transparentes entre o Estado e o setor privado, revela a urgência da regulamentação da atividade. São diversas as situações em que agentes privados procuram autoridades estatais para defender seus interesses. Seus objetivos são os mais diversos: aprovar leis, influenciar o desenho de políticas, obter vantagens em licitações, garantir influência em órgãos e empresas estatais e assegurar apoio político. Em obras de infraestrutura, essas questões podem estar diretamente ligadas à corrupção e à inadequada avaliação e gestão de seus impactos socioambientais.

O estabelecimento de normas que regulem a atividade de lobby é uma pauta urgente para elevar a transparência e combater a corrupção. Para surtir o efeito esperado, a regulação deve definir claramente quais atividades se enquadram como lobby e quem deve ser considerado um lobista, com especial atenção para empresas e pessoas que desenvolvem essas atividades profissionalmente, bem como grupos de interesse, incluindo associações empresariais e organizações da sociedade civil.

A regulação do tema também deve prever medidas de quarentena para que ex-ocupantes de cargos públicos possam trabalhar no setor privado, evitando que o façam logo após deixarem seus postos públicos. E, em caso de descumprimento das regras aplicáveis ao lobby, é importante que sejam estabelecidas sanções claras e proporcionais aos agentes envolvidos.

O registro das atividades de lobby deve englobar, pelo menos, as pessoas envolvidas nas tratativas, as entidades beneficiadas, as ações realizadas, as principais questões discutidas, o valor investido e os documentos e informações compartilhados. Para viabilizar o controle social, as informações contidas no registro de lobby devem ser públicas, acessíveis, completas e atualizadas, permanecendo disponíveis em formato aberto, interoperável e legível por máquinas.

É importante, ainda, que se implemente aquilo que a literatura especializada chama de legislative footprint: um histórico dos agentes públicos e privados que discutiram e trabalharam em cada norma. Seria interessante também implementar o formato de footprints para obras de infraestrutura, registrando e disponibilizando o histórico dos contatos entre agentes públicos e privados a respeito de uma obra específica.

Além de regulamentar o lobby, é preciso combater intensamente o “caixa dois”, nome dado ao financiamento ilegal de campanha. Apesar da proibição de doações por empresas privadas a partir das eleições de 2016, ainda é possível que pessoas jurídicas ofereçam serviços e doações durante o processo eleitoral sem registrá-los, apesar de esta ser uma prática ilegal. O grande problema é que essa forma de financiamento é oferecida em troca de vantagens para o doador, como a assinatura de contratos públicos, a aprovação de normas, a garantia de benefícios fiscais e o acesso privilegiado a espaços de discussão e tomada de decisão. Isso precisa ser fiscalizado pela Justiça Eleitoral, mas também deve ser ativamente combatido pelos partidos, a partir da adoção de medidas de integridade, códigos de conduta e boas práticas contábeis.

Em paralelo à regulamentação do lobby e a um combate ativo ao financiamento ilegal de campanhas, o Brasil também precisa de uma legislação adequada e eficiente para prevenir o conflito de interesses, outra prática que favorece a corrupção e a gestão inadequada de impactos socioambientais de grandes obras. Essas normas devem ser aplicáveis a todos os agentes públicos, nos três níveis federativos.

O rigor diante dos conflitos de interesse deve mitigar o fenômeno conhecido como “portas giratórias”, processo em que a pessoa alterna entre postos de trabalho nos setores público e privado. As “portas giratórias” representam um risco de captura do Estado pela iniciativa privada e podem prejudicar a capacidade estatal de implementar as políticas e a legislação. No caso das obras de infraestrutura, isso é especialmente preocupante quando atinge órgãos ambientais, de regulação e de controle.

O conflito de interesse deve ser combatido com três medidas principais: proibição ou restrição temporária para nomeações na administração pública, exigência de que funcionários públicos forneçam uma declaração de interesses (documento que deve indicar os vínculos presentes e pretéritos que gerem ou possam gerar conflito) e implementação de mecanismos para que pessoas com interesses potencialmente conflitantes não possam tomar decisões em determinadas situações. Isso permite fechar perigosas portas de entrada para a captura da máquina estatal, coibindo o mau uso de recursos e ajudando a evitar impactos socioambientais graves.

A partir dessas questões, apresentamos as seguintes recomendações:

Regulamentar o lobby em todos os poderes e esferas de governo

Aprovar legislação específica e de abrangência nacional que seja capaz de regular as atividades de lobby nos Três Poderes e nas três esferas de governo, com regras claras que determinem as obrigações de agentes públicos e privados quanto ao registro de interações, os períodos previstos de quarentena e as hipóteses de punição em caso de descumprimento.

Manter um registro transparente de lobby

Garantir a transparência e acessibilidade dos dados sobre reuniões e contatos entre agentes públicos e atores externos, disponibilizando informação completa e atualizada em formato aberto, interoperável e legível por máquinas

Registrar o histórico de lobby em cada norma e obra

Garantir a disponibilização de um histórico de cada norma aprovada pelo Legislativo e pelo Executivo e de cada projeto de infraestrutura concebido e implementado, contendo registro dos agentes privados que participaram do processo e dos interesses que foram defendidos.

Combater o “caixa dois” nas campanhas

Garantir transparência sobre o financiamento de campanhas eleitorais e sobre o financiamento de partidos políticos, com o objetivo de evitar e combater a prática de “caixa dois”. Os partidos também devem adotar medidas de integridade, códigos de conduta e boas práticas contábeis.

Regulamentar o conflito de interesse

Aprovar legislação específica e de abrangência nacional para tratamento do conflito de interesse, de modo a vincular as três esferas de governo e os Três Poderes e a estabelecer regras sobre a quarentena obrigatória, a exigibilidade de declaração de interesses e as situações nas quais pessoas com interesses potencialmente conflitantes serão impedidas de tomar decisões.